Thursday, November 20, 2014

Amigos e Teatro

Assim como Cioran, eu escrevo quando algo me incomoda. Além disso, trabalho em meu grupo de teatro com assuntos que incomodam os atores numa dimensão estritamente pessoal. Descobri esse “método” em parceria com minhas atrizes, que aprendi a atiçar de uma forma ao mesmo tempo contundente mas sempre suave e respeitosa. Não menciono os meus atores homens porque com eles algo parece não funcionar. Talvez o fato de ambos seremos homens, eles e eu, estabeleça uma barreira que eles não se dispõem a ultrapassar com medo de aparentarem fraqueza.
Mas voltando à questão da escrita. Uma questão que recentemente tem me incomodado é a oposição entre certos tipos de pessoas.
Há um tipo delas que têm predisposição a uma integridade que não precisam abandonar e que as leva a aceitarem cada vez mais pessoas em seu universo e as ajudarem a sobressair, congratulando-se com isso. Essas pessoas são normalmente tidas pelos amigos como excepcionais, por darem oportunidades aos amigos sem cobrarem absolutamente nada em troca – apenas, quem sabe, um assentimento a uma amizade sempre mais sólida e incondicional. A gente lamenta quando passa meses sem ver pessoas desse tipo, mas tão logo nos encontramos novamente tudo passa batido, como se não tivesse havido qualquer distância, por maior que esta possa ter sido. Isso tudo não quer dizer que pessoas desse tipo sejam ingênuas: não, elas são mais sábias que as outras, por saberem que é com a verdade que os verdadeiros amigos travam relações duradouras.
Mas há outro tipo de pessoa. Refiro-me àquele tipo de amigo, às vezes até verdadeiro, no qual divisamos, em seu olhar, quase que somente um olhar frio de quem não se interessa, realmente não se interessa, em fazer ninguém ficar ao seu lado. Ao contrário, esse tipo de pessoa “cola” nas asas de quem o apadrinha e, sabendo que não tem a autenticidade a seu favor, opta por, passo a passo, realizar gestos que aparentemente a tornam grata a todos os amigos circundantes, fazendo uso de familiares ou amigos simpáticos a todos para ela mesma crescer, como se fosse uma pessoa boa, quente, aberta a amigos e a gente nova. Nada nesse tipo de pessoa é autêntico, e quem acompanha sua trajetória de perto sabe muito bem disso. Esse tipo de pessoa precisa ter gente abaixo dela para incensar sua obra, o que para o primeiro tipo de pessoa – do parágrafo anterior – é desnecessário.
Tenho amigos do primeiro tipo e do segundo. Ontem encontrei alguns de ambos tipos.
Um deles, do primeiro tipo, que divisei e do qual me aproximei brevemente, cumprimentou-me como sempre, sem forçar demonstração de saudade – que expressou várias vezes desde então, mas em privado – e, num determinado momento do encontro, parando e como que revivendo nossa relação. Foi algo extremamente sutil que criou uma pausa no tempo e que, ao que parece, só eu mesmo notei. Percebi então novamente o quão sincera é essa nossa amizade. Essa pausa, tento me explicar melhor, foi uma espécie de “olhem só o Contrera, meu amigo”. Mas o tempo corre e ele e eu tínhamos mais o que fazer.
Outro, porém, do segundo tipo, não expressou a menor disposição em me cumprimentar. Não digo que ele seja realmente falso, ou que não seja amigo (acho que é), mas, imerso em tentar resolver problemas para se tornar esse “alguém” que ele deve achar que não é, simplesmente passou batido, como se à sua frente não houvesse ninguém. Esse cara em particular tem um olhar frio, lá no fundo de sua psiquê, que a maioria dos amigos cincundantes parece não ver (parece porque não sei, realmente). Esse cara não faz um único gesto involuntário – todos eles são calculados, e eu sei muito bem disso porque o conheço de bem antes de ele se tornar alguém, nesse grupo, digamos, importante. É difícil acreditar em que ele acredite realmente em alguma coisa, esse outro amigo. Não digo, contudo, que ele seja inteiramente falso: nesse seu afã de sobressair, ele realmente assumiu uma opção de vida, e nessa opção que é o teatro pouco podemos dizer que seja realmente passível de cálculo. Quem apenas se ocupa em fazer contas dificilmente opta pelo teatro, em suma.
Ao passar novamente nesse ambiente que fez minha vida nos últimos anos, aprendi bastante coisa, embora tenha permanecido – aparentemente – imerso apenas em meus problemas, resolvidos por celular. Falei com quase ninguém, reconheci uma atriz que acompanho há anos mas que nunca antes passara por lá, fui cumprimentado por vários amigos de bar, e tudo o mais, mas como quase sempre permaneci alheio, imerso em minha subjetividade.
Poucos deles sabem, porém, que antes de ficar no bar, praticamente sozinho, ensaiei dois atores (um ator e uma atriz) numa cena que tentaremos apresentar esta segunda, no Clube Noir. Só o ator presente ao ensaio sabe também que antes de ensaiarmos eu realmente mexi com algo naquela atriz que a fez chorar, desconsolada, enquanto o esperávamos. Esse choro – que me surpreendeu pelo momento em que surgiu – não me surpreendeu realmente, contudo. Já se tornou habitual ver o resultado que o meu “método” (hesito em chama-lo como tal) causa, sob certas circunstâncias, nos atores e atrizes com que trabalho. Assim como é sempre interessante reparar no estreitamento da relação que quase sempre surge tão logo esses atores/atrizes percebem realmente a implicação daquilo que faço e em que acredito. Para aqueles a quem conto a respeito, quase sempre parece como se eu estivesse auferindo vantagens indevidas de amizades sempre mais profundas, mas esses eu perdôo porque não sabem o que dizem, muito menos o que pensam. São idiotas, em suma, e sabem muito bem que não tenho o menor receio de lhes dizer isso tão logo a oportunidade aparece. Afinal, vivemos numa sociedade falsa, machista, misógina, em que em última instância praticamente ninguém acha que realmente vale a pena se preocupar com o outro – ainda mais se for mulher e estiver um pouco perdida – como muitos de nós estamos, às vezes. Mas mulher é mulher, não é mesmo, e nessa medida sempre tem o sexo a nos espreitar...
Como resultado daquele breve encontro, e sempre pensando no além, prometi àquela atriz um monólogo com o qual a gente poderia lhe dar uma chance de tratar aquela questão, muito antiga, que a fez chorar tão desconsoladamente. Mas NUNCA PENSANDO APENAS NELA, NA ATRIZ, mas na cena. Sempre digo, não me tome como amigo de todas as horas: sou apenas seu diretor que, interessado em sua trajetória como pessoa neste mundo compartilhado, lhe arranja uma oportunidade de superar questões que, por algum motivo que não me diz respeito, desarranjaram sua vida como um todo.

É maravilhoso contar com vivências desse tipo neste mundo que nos avassala e que nos faz ficar sempre à margem, desconsiderados por aqueles que tanto têm a dever à nossa amizade e, ainda mais, às amizades que os circundam. Mas é preciso manter uma frieza maior que nenhuma das friezas que nos acompanham conseguem sobrepujar. Essa frieza, alguns percebem. Mas não sabem o quando vem acompanhada por calor e por amor verdadeiro. Pena que as pessoas tenham tantos interesses na vida – o que faz com que elas em última instância desprezem o que mais vale na vida. Mas eu percebo. Eu percebo.

Wednesday, November 19, 2014

Exclusivo

O amor incondicional, o ágape que citei ontem, não exige exclusividade. No fundo, ele supera todos os outros tipos de relações, e não necessariamente por suplantar todas as barreiras de língua, sexo e religião. O amor incondicional realmente pode mudar o mundo.
Mas há um outro tipo de amor, esse mais comum, que todos, quando têm sorte, experimentam na vida: o amor de casal. Esse amor é tido como superior na medida em que é escolhido e fundamento da sociedade monogâmica que utiliza um contrato para estabelecer um modelo de conduta e de vida.
Todos ou quase todos passam a vida buscando esse amor. E quando o experimentam muitas vezes, de roldão, acabam levando o amor de dar a vida – como mães e pais – e de segurar a barra em uma trajetória que não é mais solitária e penosa, mas compartilhada e gostosa.
Há um mês, eu não conseguia ultrapassar a barreira de meu ego e entrar no universo alheio. Eu já conseguia, numa descoberta fundamental, alguns meses antes, deixar o outro sair e tentar me invadir – clamando pelo ágape já citado. Mas não conseguia abrir o coração, abandonar a razão e deixar-me afundar em mundos inóspitos sempre mais profundos não restritos a conteúdo, qualquer conteúdo.
Foi, salvo engano, a maior descoberta de minha vida, maior até que a do ágape, que eu, muito inocentemente, restringia a uma espécie de santidade que outros – bem mais sábios que eu, pelo jeito – também encaram dessa forma. Mas para que isso acontecesse foi necessário que eu fosse supremamente derrotado, fisicamente até. Como aqueles filmes de lutadores.
Passaram-se infinitas horas, desde então, cobrindo milhares de quilômetros internos, a mim e ao outro, calando simplesmente a boca. Ocorre que eu sou um cara afeito ao pensamento, o que faz com que eu tenda a dominar, pela lógica e pela memória, tudo o que me é transmitido. A impressão, para o outro, acaba sendo então que eu não me envolvo, que eu sou uma espécie de máquina que consome, analisa e transforma aquilo que deveria entrar por outro lado, ou melhor mais embaixo, no coração.
Não consigo, assim de chofre, fazer diferente na minha vida. Tenho 47 anos, e digo que passei 46 perdido, ou quase, navegando entre um medo de mim e muitos medos dos outros. Aquela amiga lá de Barcelona me disse que sentia, em si, o medo que eu nutria das pessoas em geral. Para verem como aquela garota é sensível. Pois bem, a razão, e mais ainda, a consciência, foi a forma pela qual passei a conseguir sobreviver nesse tipo de relação. Mas a consciência é fria – e se expressa muitas vezes por olhares parados e ensimesmados que criam distâncias às vezes intransponíveis entre pessoas que às vezes se gostam muito, até demais.
Por outro lado, até entendo que algumas pessoas, quando abandonam a consciência, tendam a se abandonar. Mas pelo que venho notando o verdadeiro abandono acontece, sim, com consciência, e é algo que,  ao contrário de escravizar à vontade do outro, liberta. Por isso, não caio mais na trampa de achar que entregar-se significa necessariamente ceder. Só cede realmente quem assume perfeito controle de si. Como consequência, tenho evitado cair em armadilhas que, por me envolverem, poderiam fazer com que eu me perdesse posteriormente. Outra vantagem é distinguir, nos pequenos sinais, vontades que muitas vezes não expressam certezas, mesmo que temporárias, mais dúvidas travestidas em insegurança e em vontade de experimentar, como se a gente fosse corpo distanciado da alma. Não caio mais nessa. E olha que há pouco eu implorava por momentos desse tipo.
Eu disse a alguém, muito recentemente, que sou um cara com dúvidas atrozes e infinita e insaciável vontade de viver – e portanto de querer. Minhas dúvidas hoje descansam em sua maioria, e mais que no ágape, que também tem suas dúvidas (dá para amar desse jeito a qualquer um?, por exemplo), no sincero reconhecimento do amor romântico em si e no outro. Ou seja, em quando realmente amo e em quando realmente sinto que o outro me ama. Mas não como ágape, não mais sob esse ponto de vista. Como amante mesmo.
Também disse a esse alguém que não tenho tempo – e não tenho mesmo. Mas meu tempo todo eu o passo nessa lide, nessas dúvidas. Não desperdiço um segundo sequer dos dias que me restam tentando distinguir as coisas, uma da outra, uma da outra. Enquanto isso, claro, eu vivo. Mas a vida é bem mais que satisfação de instintos. Viver é entrar em portas – e não é porque elas se abrem que elas são abertas (às vezes apenas estão escancaradas – e não somos responsáveis quando é isto o que realmente acontece).
Ocorre, como corolário, porém, que a maior de todas as lições é que o tempo passa o tempo todo. E que não é porque se está distante que o tempo não continua, que os segundos não são aproveitados, que as ligações não se estreitam ou se afastam. Como eu havia dito, estamos, sempre, todos juntos.

O leite tava caro mas comprei. Não havia fibras mistas, por isso só foi aveia. Ainda resta couve a fazer. E agora à tarde lá vou eu fazer reviver o “Fugindo” que quase nada mais tem a ver comigo. Vai que passo. 

Tuesday, November 18, 2014

Encontros

Uma tarde destas eu estava no centro de São Paulo com uma amiga que, provocada por mim, estava prestes a jogar um pedaço de pão de batata na minha cara. Assim iam as coisas quando, de repente, como se aparecesse surgida de um túnel do tempo, apareceu ao meu lado a dona Nina. Até agora, dias depois, mal consigo divisar o que senti.
A dona Nina foi nossa empregada, minha e de minha ex-esposa, por 11 anos, e que eu não via há 4, quando a separação dividiu minha vida ao meio. A história da dona Nina em minha vida é muito expressiva.
Conheci dona Nina quando se tornou faxineira da empresa em que eu trabalhava na época. Lá ela ficou alguns meses, até o momento em que uma mulher estúpida que também trabalhava por lá inventou uma história qualquer, e por causa disso dona Nina foi demitida.
Na época, dona Nina enfrentava alguns graves problemas de saúde. Eu acabei me apegando a ela e lhe sugeri que fizesse faxina em casa, de 15 em 15 dias (depois, toda semana). Assim se deu por 11 anos. Dona Nina não nega que nossa ajuda foi providencial. Alguns anos depois de trabalhar conosco, ela arrumou um emprego, mas nunca desistiu de nós.
Quando fui embora, não deu para nos despedirmos. Minha ex-esposa fez a tática da terra arrasada, não deixou nada que fizesse com que algo lembrasse de mim. Dona Nina também acabaria indo embora, por uma discordância por 20 reais. Isso ela me contou agora.
Mas o encontro com dona Nina assume para mim uma dimensão ainda mais providencial. Pois ela acompanhou todo nosso casamento, os altos e baixos, e sempre soube de detalhes – alguns eu diria meio podres – de mim mesmo. Claro que nunca faltou com a confiança.
A questão é que eu havia ficado com a impressão de que ela, na separação, acabara ficando do lado da minha ex-esposa. Como se o fato de saber profundamente quem realmente eu era naturalmente a colocasse contra mim. Bom, deixei passar. Precisei várias vezes dos seus serviços, mas como não tinha como pedir seu telefone, a gente se afastou.
Até uma destas tardes.
Ela pareceu-me igual, até melhor que antes. É uma senhora mirrada, de origem nordestina, e morava lá pelos lados do Embu das Artes – agora, perto de casa. Contou-me que o marido foi embora e que um dos três filhos está para casar. O passarinho que eu lhe dera morreu – ela diz que de saudade de mim (custo a acreditar). Mas manteve a gaiola (enorme).
Dona Nina é uma pessoa especial. Reservada, não deixa de expressar, contudo, quando realmente gosta de alguém. E ela ficou realmente feliz em me ver – e acompanhado por minha amiga. Eu fiquei feliz mas estupefato. Sabem quando algo acontece que parece juntar universos que naturalmente não pareceriam jamais se tocar? É como se ela tivesse surgido de uma cápsula espacial ou do tempo. Não conseguia entender. Até hoje não consigo.
Enquanto conversávamos, minha amiga, pega desprevenida, parecia entretida em sacar a energia circundante entre nós. Até o momento em que eu pedi um abraço de dona Nina, e nos despedimos então. Essa minha amiga é discreta, até demais. Mas não se conteve em dizer depois o que sentiram.
O fato é que a impressão que ficou de tudo foi tão indelével que horas depois que nos despedimos, dona Nina e eu, continuei pensando nisso. Repetindo: puxa, a dona Nina. Minha amiga não parecia entender minha fixação. Nem eu entendia. Simplesmente o encontro ficou marcado. Pois finalmente eu percebera que não havia sido, ao que parece, o canalha que sempre achei que fora. Ela não achava isso. Eu também não, mas não sei bem por quê, acabei me encolhendo em culpa, como se tudo tivesse sido culpa minha. Tudo, o casamento, a vida em comum, a separação.
Dona Nina pode não me conhecer tão bem, claro. Mas abriu em mim uma certa esperança. Como se não fosse realmente claro que eu havia sido o culpado. Como se algo tivesse ficado no ar. Na dúvida. Uma dúvida que agora passou a me abrir alguma esperança. Uma dúvida que eu, lá no fundo, sabia que existia.
Hoje estou em outras. Vivendo os melhores dias, meses e anos de toda minha vida. Momentos difíceis como nunca antes, com desafios inacreditáveis, com superações constantes, com desafios e erros e desculpas e aceites que nunca jamais imaginei que pudesse enfrentar – e superar. Mas os melhores momentos de todos os que jamais vivi. Com amigos sinceros em todos os lugares, mãos estendidas onde menos espero, abraços apertados em ambientes diversos, moedas contadas mas sabores insuspeitados, dúvidas atordoantes e recompensas vindas sei lá de onde. Um enigma. A vida tornou-se um enigma.
Mas eis que este artigo já teria feito todo o sentido – este – se agora mesmo não tivesse acontecido algo ainda mais atordoante.
De repente, apareceu no face um artigo de uma ex-colega de faculdade desancando uma figura escrota. Curti. Minutos depois, essa colega quis ser minha amiga de face. Assenti. Mandei-lhe uma curta mensagem e entabulamos conversa.
Ela não vive mais no Brasil. Montou família, teve filhos e tá na Europa. Especialista em políticas públicas – uma vez me convidou a um evento no qual eu perdi quase totalmente a compostura, com motivos na hora óbvios que contaminaram a todos e que ela admirou –, essa minha ex-colega lançou-me em inbox umas declarações de lembrança que quase me levaram às lágrimas. Não as transcrevo aqui, mas em algo parece que realmente minha presença lá, na faculdade, e depois, a afetou profundamente. A tal ponto que não parecia se conter.
Fiquei ressabiado, mas a conversa posterior foi tão gostosa que minhas reservas esmoreceram. Ela também falava a verdade. Algo de bom em mim ficara com ela, passados quase 20 anos de distância – e agora, dezenas de milhares de quilômetros. Ainda estou estupefato. Logo eu passando por isso, logo eu, cujas marcas do passado desfiguraram meu caráter a tal ponto que deixei de me reconhecer em qualquer espelho por que passo.
Essa minha ex-colega lembrou-me uma amiga que faz parte do meu grupo de teatro que foi uma das primeiras pessoas a me mandar mensagem no dia do meu aniversário. Uma mensagem tão linda e em público que ainda me deixa apalermado. Pois essa minha amiga, uma garota com tamanha força interior que serve para praticamente qualquer papel assim, de improviso, foi uma das primeiras pessoas na vida que eu tratei realmente com amor. E ela percebeu. Um amor que eu parecia desconhecer à época, mas no qual eu apostei – um amor que me permitiu montar meu grupo, no fundo. Um amor transcendental que outra amiga me disse que tem nome: ágape. Procurem. Um amor incondicional. Como eu quero. Acima de tudo.
É estranho mas ao mesmo tempo providencial e explicável que tudo isto esteja acontecendo comigo agora. Assim como é absolutamente natural que eu agora consiga me acarinhar por colegas, em oficinas ou grupos variados, e que consiga tornar meus amigos e amigas (mais amigas). Pois algo em mim parece enfim se abrir – algo que atrai de forma inapelável e que por vezes quase me deixa em maus lençóis. Afinal, sou um homem, ou não. E sou, realmente. Com tudo o que de bom e patético isso possa acarretar.
Agora uma outra amiga está viajando no litoral norte. Trocamos whatsapp de vez em quando, e eu quase a sinto andando pelas ruas daquela cidade. Diz que o dia está lindo, a brisa suave e o céu azul. Eu sinto que estou do seu lado. Como do lado de minha amiga quando encontrei dona Nina. Como do lado de minha ex-colega que terminava um artigo em Barcelona. Como do lado daquela amiga – da dona Nina – que agora termina uma tradução. Como do lado de minha amiga atriz que se recupera de um problema pessoal. Como do lado de tantas pessoas legais que não páram de aparecer e de me dizer: sim, cara, você é um cara legal. Pode não parecer, mas é. E melhor, sempre foi.

Eu sempre estive certo. Como diz uma peça minha: Estamos todos juntos.