Wednesday, November 19, 2014

Exclusivo

O amor incondicional, o ágape que citei ontem, não exige exclusividade. No fundo, ele supera todos os outros tipos de relações, e não necessariamente por suplantar todas as barreiras de língua, sexo e religião. O amor incondicional realmente pode mudar o mundo.
Mas há um outro tipo de amor, esse mais comum, que todos, quando têm sorte, experimentam na vida: o amor de casal. Esse amor é tido como superior na medida em que é escolhido e fundamento da sociedade monogâmica que utiliza um contrato para estabelecer um modelo de conduta e de vida.
Todos ou quase todos passam a vida buscando esse amor. E quando o experimentam muitas vezes, de roldão, acabam levando o amor de dar a vida – como mães e pais – e de segurar a barra em uma trajetória que não é mais solitária e penosa, mas compartilhada e gostosa.
Há um mês, eu não conseguia ultrapassar a barreira de meu ego e entrar no universo alheio. Eu já conseguia, numa descoberta fundamental, alguns meses antes, deixar o outro sair e tentar me invadir – clamando pelo ágape já citado. Mas não conseguia abrir o coração, abandonar a razão e deixar-me afundar em mundos inóspitos sempre mais profundos não restritos a conteúdo, qualquer conteúdo.
Foi, salvo engano, a maior descoberta de minha vida, maior até que a do ágape, que eu, muito inocentemente, restringia a uma espécie de santidade que outros – bem mais sábios que eu, pelo jeito – também encaram dessa forma. Mas para que isso acontecesse foi necessário que eu fosse supremamente derrotado, fisicamente até. Como aqueles filmes de lutadores.
Passaram-se infinitas horas, desde então, cobrindo milhares de quilômetros internos, a mim e ao outro, calando simplesmente a boca. Ocorre que eu sou um cara afeito ao pensamento, o que faz com que eu tenda a dominar, pela lógica e pela memória, tudo o que me é transmitido. A impressão, para o outro, acaba sendo então que eu não me envolvo, que eu sou uma espécie de máquina que consome, analisa e transforma aquilo que deveria entrar por outro lado, ou melhor mais embaixo, no coração.
Não consigo, assim de chofre, fazer diferente na minha vida. Tenho 47 anos, e digo que passei 46 perdido, ou quase, navegando entre um medo de mim e muitos medos dos outros. Aquela amiga lá de Barcelona me disse que sentia, em si, o medo que eu nutria das pessoas em geral. Para verem como aquela garota é sensível. Pois bem, a razão, e mais ainda, a consciência, foi a forma pela qual passei a conseguir sobreviver nesse tipo de relação. Mas a consciência é fria – e se expressa muitas vezes por olhares parados e ensimesmados que criam distâncias às vezes intransponíveis entre pessoas que às vezes se gostam muito, até demais.
Por outro lado, até entendo que algumas pessoas, quando abandonam a consciência, tendam a se abandonar. Mas pelo que venho notando o verdadeiro abandono acontece, sim, com consciência, e é algo que,  ao contrário de escravizar à vontade do outro, liberta. Por isso, não caio mais na trampa de achar que entregar-se significa necessariamente ceder. Só cede realmente quem assume perfeito controle de si. Como consequência, tenho evitado cair em armadilhas que, por me envolverem, poderiam fazer com que eu me perdesse posteriormente. Outra vantagem é distinguir, nos pequenos sinais, vontades que muitas vezes não expressam certezas, mesmo que temporárias, mais dúvidas travestidas em insegurança e em vontade de experimentar, como se a gente fosse corpo distanciado da alma. Não caio mais nessa. E olha que há pouco eu implorava por momentos desse tipo.
Eu disse a alguém, muito recentemente, que sou um cara com dúvidas atrozes e infinita e insaciável vontade de viver – e portanto de querer. Minhas dúvidas hoje descansam em sua maioria, e mais que no ágape, que também tem suas dúvidas (dá para amar desse jeito a qualquer um?, por exemplo), no sincero reconhecimento do amor romântico em si e no outro. Ou seja, em quando realmente amo e em quando realmente sinto que o outro me ama. Mas não como ágape, não mais sob esse ponto de vista. Como amante mesmo.
Também disse a esse alguém que não tenho tempo – e não tenho mesmo. Mas meu tempo todo eu o passo nessa lide, nessas dúvidas. Não desperdiço um segundo sequer dos dias que me restam tentando distinguir as coisas, uma da outra, uma da outra. Enquanto isso, claro, eu vivo. Mas a vida é bem mais que satisfação de instintos. Viver é entrar em portas – e não é porque elas se abrem que elas são abertas (às vezes apenas estão escancaradas – e não somos responsáveis quando é isto o que realmente acontece).
Ocorre, como corolário, porém, que a maior de todas as lições é que o tempo passa o tempo todo. E que não é porque se está distante que o tempo não continua, que os segundos não são aproveitados, que as ligações não se estreitam ou se afastam. Como eu havia dito, estamos, sempre, todos juntos.

O leite tava caro mas comprei. Não havia fibras mistas, por isso só foi aveia. Ainda resta couve a fazer. E agora à tarde lá vou eu fazer reviver o “Fugindo” que quase nada mais tem a ver comigo. Vai que passo. 

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